ORDEM & DESORDEM: ARQUITETURA & VIDA SOCIAL.
Edifícios e espaços das cidades – ruas, avenidas, praças – afetam nossa vida. A organização dos cômodos em um prédio também. Os seis capítulos exploram distintos olhares: 1) duas cidades “modernas” – Brasília e Chandigarh – e as imagens distintas formadas em nossas mentes; 2) a fragmentação espacial das cidades brasileiras e o oásis de ordem nos centros históricos; 3) a apropriação prática e afetiva do lugar pelas pessoas – sua urbanidade – como fator de proteção das margens de rios urbanos; 4) a qualidade de vida das cidades interpretada em função de índices socioeconômicos e de atributos espaciais; 5) os congestionamentos de trânsito e as implicações oriundas da forma urbana; 6) a reorganização recente dos cômodos em apartamentos para adequá-los a estilos de vida mais individualistas.
TRECHOS DO LIVRO
Brasília contém duas unidades mofológicas claramente identificáveis: o Eixo Rodoviário, ao longo do qual as fileiras de superquadras residenciais se localizam, e o Eixo Monumental, que constitui o principal espaçõ simbólico da capital brasileira, onde estão os edifícios principais da Administração Federal.
Os dois elementos estruturais cruzam-se no centro da cidade, onde fica o terminal de ônibus urbanos, nocomplexo edifício da "Plataforma Rodoviária".
Os eixos são os espaços mais longos e largos da cidade, em forte contraste com os demais lugares. (17)
(Evaldo Coutinho) Define a especifidade da arquitetura como arte: sua matéria-prima é realidade, não representação, o que a distingue de outros gêneros artísticos. É realidade sim, mas transformada pela visão de mundo do arquiteto, aquele que, lato sensu criador de lugares, retira da natureza uma porção de espaço e modulo seus atributos de luz e sombra, ruído e silêncio, aromas, temperatura, velocidade e movimento de ar.
O arquitetuo confere à porção do espaço delimitado forma, dimensões, proporções; mediante fechamentos e aberturas, opacidades e transparências, estrutura o espaço interno dos edifícios e as relações com o espaço circundante de onde ele foi extraído.
O inglês Bill Hillier (n. 1937), bacharel em literatura, é fundador da Teoria da Sintaxe Espacial (SE). Ele rompe com paradigmas da teoria e da história da arquitetura em vários aspectos. O livrofundador da teoria foi escrito em parceria com Julienne Hanson: The Social logic of Space (1984).
Como Evaldo Coutinho, afasta-se da reflexão tradicional ao dar ênfase ao espaço, não aos elementos volumétricos da arquitetura. Como Coutinho, evita o erro filosófico de confundir como arquitetura algo que é a "forma bastante" de outro gênero artístico - a escultura e a linguagem dos volumes (formulação de Coutinho). Para Hillier, a essência e a finalidade última da arquitetura é a ordenação do espaço: os vãos que habitamos. (19)
Historicamente, estudos demonstram não haver gratuidade na configuração dos assentamentos humanos, mas congruência entre a estrutura dos espaços e a das sociedades que os produzem e usufruem. (20)
Nas pesquisas sobre Brasília, descobrimos que é uma cidade 'tricéfala" - tem três centros: o funcional ( em torno do qual está a maioria dos empregos), o morfológico (que minimiza a distância física a todos os pontos da cidade) e o demográfico (que minimiza a distância para todos os habitantes da cidade). Em Brasília, eles distam quilômetros entre si, ao contrário de outras cidades brasileiras. Isso implica emcustos sociais elevados. Importante para a definição de políticas urbanísticas, o achado seria impossível sem o uso de procedimentos computacionais. (22).
Caixa Espacial - largura da via x altura dos edifícios. (24)
Em Brasília, ao deixarmos o aeroporto, há um trecho de rodovia interurbana de cerca de 6 km até penetrarmos na estremidade sul da Asa Sul. Ao deixarmos os edifícios do complexo aeroportuário, passamos ao longo de áreas verdes desocupadas até a "entrada na cidade". Ela se dá de chofre, é claríssima, assinalada pelas novas características da via e pelos edifícios lindeiros. Abandonamos o "campo" e entramos na "cidade" : no percurso não há "subúrbios" intervenientes, a paisagem ambígua que deixou de ser campo e ainda não chega a ser cidade. A estrada, ao se transformar em via expressa urbana, torna-se a via estruturadora do tecido residencial, composto pelas superquadras que a bordejam.
Salvo pequenas variações, elas têm 250 x 250 m medidos a partir da calçada de pedestres que as circunscreve. A malha viária é ortogonal: considerados os espaços entre as superquadras onde estão equipamentos comunitários, ela mede aproximadamente 350 x 350 m. Há quadras adicionais a leste e oeste do "colar" das superquadras (imprevistas no projeto original) que fazem a largura das "asas" residenciais chegar a 2.400 m. (25)
Os atributos do elemento viário que estrutura as duas asas residenciais - o "Eixo Rodoviário", doravante "Eixão", sua denominação corriqueira - são únidos na cidade: trecho central de seis pistas de rolamento com um canteiro central também asfaltado; das faixas gramadas e arborizadas de cerca de 40 m de largura; dois "eixinhos" laterais, cada um com quatro faixas de rolamento, separadas duas a duas por um canteiro ajardinado de 4,5 m de largura; uma faixa verde de pelo menos 20 m de largura até chegarmos às fachadas de edifícios residenciais das superquadras, de cada lado. Ao todo, a distância interfachadas é de pelo menos 210 m. A proporção deste macroelemento estruturador é de 10 para 1. (25)
Apesar da suave curva ao longo de seus 12,4 km, o Eixão marca a relação da cidade e de suas partes com os pontos cardeais: ao nele penetrarmos, entramos em Brasília pela extremidade sul; ap saor,ps. deoxa,p-la pela norte; à direita está o leste, nasce o sol. à esquerda, está o poente. Ademais, o terreno cai suavemente para o leste, na direção do Lago Paranoá, a cujas bordas a cidade e seu macroelemento estruturador se acomodam, fazendo-se paralelos às margens do corpo d´água. Nos deslocamentos pela cidade, logo apreendemos em que direção vamos. (26)
Outros elementos contribuem para a percepção deste ponto como parte do climax compositivo da cidade: o partido "tectônico" da Plataforma Rodoviária, complexo edifício a criar um "urbanismo tridimensional" resolvido em quatro níveis de circulação para veículos e pedestres, no encontro entre o Eixo Rodoviário e o Eixo Monumental - este o espaço mas emblemático da cidade, cumprindo as funções precípuas da capital (o centro do Governo Federal); a vista deslumbrante da Esplanada dos Ministérios, com as torres gêmeas do Congresso Nacional a coroar a composição, perceptíveis de três dos quatro níveis da Plataforma Rodoviária (exceto do nível mais baixo do complexo, a passagem expressa para veículos que une os tramos sul e norte do Eixão). os movimentos de terra que reesculpiram o terreno, criando vistas surpreendentes. (27)
Frederico de Holanda
em ORDEM E DESORDEM: ARQUITETURA E VIDA SOCIAL (2012)
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Resumo capítulo 1
Brasília e Chandigarh diferem em muitos aspectos, no todo e em suas partes. O capítulo explora a dicotomia ordem x desordem nas duas cidades. Brasília contém duas unidades morfológicas claramente identificáveis: o Eixo Rodoviário, ao longo do qual as fileiras de superquadras residenciais se localizam, e o Eixo Monumental, que constitui o principal espaço simbólico da capital brasileira, onde estão os edifícios principais da Administração Federal. Os dois elementos estruturais cruzam-se no centro da cidade, onde fica o terminal de ônibus urbanos, no complexo edifício da “Plataforma Rodoviária”. Os eixos são os espaços mais longos e largos da cidade, em forte contraste com os demais lugares. Chandigarh apresenta uma malha viária uniforme que delimita setores similares medindo aproximadamente 800m x 1.200m, abrigando todos os tipos de atividades, exceto os principais edifícios do Capitolio, espaço simbólico por excelência, que abriga o Secretariado, a Alta Corte e a Assembleia Nacional. Entretanto, o Capitolio é muito segregado do resto da cidade, prática e expressivamente. Em ambas as cidades os “setores” urbanos carecem de diferenciação: as superquadras de Brasília e os setores de Chandigarh apresentam sistemas viários labirínticos e frequentes ruas sem saída. Entretanto, ordem em Chandigarh pode resultar de surpreendentes praças comerciais, como no setor central. No todo, porém, Brasília exibe uma configuração clara, contrastando com a configuração repetitiva, banal e pouco informativa de Chandigarh.
Resumo Capítulo 2
Há estudos urbanos sobre a natureza social, econômica, política e operacional do espaço das cidades. Entretanto, carece um aprofundamento quanto à articulação da cidade segundo hierarquias e permeabilidades (configuração), e como esses fatores, diretamente relacionados à forma-espaço, contribuem para a interpretação do estado presente das estruturas urbanas no Brasil quanto à expansão territorial e relações sociais. A pesquisa explora o hiato existente no planejamento urbano no país, que ignora a variável configuracional. Argumenta-se que a consideração da variável implicaria potencial melhoria da qualidade espacial das cidades. Investiga-se, por meio da Teoria da Sintaxe Espacial, como isto pode auxiliar o planejamento e os estudos urbanos, tomando por base amostra constituída por 44 cidades brasileiras.
Resumo Capítulo 3
A análise da história da cidade pela ótica das relações com os corpos d’água – córregos, rios, lagos, mares – revela aspectos fundamentais à compreensão das lógicas urbanas e das forças contraditórias atuantes no tempo. Identificam-se duas vertentes básicas nas relações entre cidades e corpos d’água. Na primeira, estes são valorizados e incorporados à paisagem urbana. Na segunda vertente, corpos d’água são desconsiderados, edificações e lotes lindeiros ficam de costas para eles. A partir da década de 1960, um intenso movimento de qualificação dos frontais aquáticos passou a ocupar as agendas urbanas em cidades de todo o mundo. A grande maioria das intervenções expressa a vertente de valorização dos corpos d’água, promovendo a urbanidade, ou seja, o convívio social e a relação amigável da população com o corpo d’água. Ocorre que, via de regra, os projetos fundamentam-se na adoção de técnicas e materiais artificiais, dificultando ou impedindo o desenvolvimento das dinâmicas naturais. O enfoque central deste trabalho direciona-se para o espaço físico, numa perspectiva relacional entre sua configuração e interferências sobre as dinâmicas ambientais e urbanas. Se, por um lado, valores socioculturais são condicionantes do tipo de configuração espacial, por outro, os atributos da configuração espacial podem influir na construção de valores socioculturais, que caracterizam a urbanidade. Trata-se de um olhar que abarca também as relações entre a configuração espacial e a proteção dos recursos ambientais.
Resumo Capítulo 4
Muito se tem avançado nos estudos urbanos, mas ainda de forma segmentada, com o desenvolvimento de índices e indicadores que expressam determinados aspectos da cidade, e não de forma a se ver o todo urbano. Este capítulo é parte da pesquisa doutoral, atualizada, em que se objetivou preencher a lacuna, com uma proposta de “costurar” importantes índices urbanos, levantados a partir de três grandes dimensões: morfológica, socioeconômica e ambiental1 . O foco aqui são índices morfológicos e aponta-se como eles podem ser reunidos aos demais. O objeto de estudo é o Distrito Federal. As três dimensões selecionadas revelam de forma genérica que o centro urbano do Distrito Federal, composto pelo Plano Piloto e suas imediações, apresentam melhores condições para todos os índices levantados; quanto mais afastados do centro os lugares, piores se tornam as condições de vida. Contudo, apesar da tendência geral, muitas cidades periféricas, que têm estigma de condição precária, ao contrário do que se imagina, apresentam bons resultados em determinados aspectos, que findam contribuindo para a resultante global. O índice final, Índice Composto de Qualidade de Vida Urbana, consegue expressar as nuances. Por meio de ponderação dos índices estudados, desenvolveu-se um método que possibilita a contínua atualização e agregação de informação, o que permite que ele possa ser refinado continuamente. Outro fator importante do trabalho é que a análise estatística empregada serviu como ferramenta para clarear e nortear diversas análises, e pode ser considerada como fundamental para o tipo de estudo. Assim, a condição de vida urbana é muito mais que apenas acessibilidade, renda ou qualidade ambiental, é uma composição complexa dessas variáveis que compõem a realidade da cidade.
Resumo Capítulo 5
O capítulo trata de uma metodologia sistêmica de análise da saturação viária, caracterizada por áreas e vias de maiores congestionamentos e transtornos de mobilidade viária e acessibilidade aos usos do solo na cidade de Fortaleza (CE). Lida-se com uma modelagem computacional integrada, em um mesmo ambiente de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) de: 1) fluxos de demanda alocados pela técnica de Equilíbrio do Usuário Estocástico (SUE), oriunda da Urban Transportation Modelling Systems (UTMS) que caracterizam a demanda de viagens; 2) fluxos potenciais de oferta alocados pela técnica da Análise Angular de Segmentos (ASA), da Sintaxe Espacial (SE), que caracterizam a oferta viária. O principal objetivo da pesquisa é o de contribuir na caracterização dos principais atores causadores dos congestionamentos que, no caso de Fortaleza, são em parte resultantes da configuração da malha, pelas conexões viárias descontínuas oriundas de intervenções isoladas de diversos planos urbanísticos. Alia-se a este fator o processo social de ocupação e uso do solo. Juntos, acabam por resultar em uma área crítica (AC) de congestionamentos. Em termos teórico-metodológicos, a pesquisa localiza-se nos âmbitos do planejamento dos transportes e do urbanismo, e contribui metodologicamente: 1) ao primeiro, na identificação de categorias analíticas funcionais relativas à acessibilidade local e global da malha e 2) no segundo, na dispersão socioespacial desigual de atividades em uma amostra de vias arteriais e coletoras da cidade. Os resultados confirmam a forma do espaço de circulação como fator importante na configuração da cidade de Fortaleza e como corresponsável pela ocorrência de congestionamentos. Em termos específicos são definidas escalas macro, meso e microscópica para a análise da acessibilidade funcional. Os resultados confirmam a segregação socioespacial da cidade e facultam sugerir novas abordagens para os processos de urbanização e o ensino do urbanismo e dos transportes.
Resumo Capítulo 6
Trata-se da habitação coletiva em altura no Distrito Federal. Dentro do amplo espectro de estudos sobre o espaço doméstico, a pesquisa contribui com um recorte específico: considera aspectos de apropriação do espaço pelos moradores e respectivas condicionantes morfológicas (geométricas e topológicas). A apropriação é caracterizada por “indisciplinas leves” (alterações de uso e ocupação) e “indisciplinas pesadas” (mudanças no vão dos apartamentos). O objetivo é entender como os espaços originalmente construídos e após modificações feitas pelos moradores revelam o modo de vida em apartamentos. O recorte histórico é a evolução do tipo apartamento nas décadas posteriores a 1960, tendo como marco a criação do Plano Piloto de Brasília e a proliferação da habitação coletiva em altura no Distrito Federal. As áreas pesquisadas são representativas da diversidade socioeconômica e da evolução da ocupação territorial do Distrito Federal para o tipo de moradia em análise. São onze áreas estudadas, 168 entrevistados e duzentas plantas baixas analisadas, entre plantas originais e modificadas.
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