sábado, 29 de agosto de 2015

Holanda




Arquitetura & urbanidade
Frederico de Holanda
em
Arquitetura e Urbanidade - 2013


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Arquitetos um dia pensaram que do lápis brotaria uma nova sociedade. Nos anos 1970 o sonho acabou. A descoberta do equívoco golpeou pesadamente a teoria da arquitetura. Passado o choque, há que recuperar o tempo perdido: a arquitetura não cria por si só uma nova sociedade, mas afeta nossos modos de convívio.
Arquitetura & Urbanidade aborda reações entre o espaço e o comportamento. Revela atributos arquitetônicos adequados à qualidade de cortês, afável, à negação continuada ente interesses, à democracia. Demonstra-o em varias escalas: região metropolitana de Brasília, uma pequena cidade, um bairro, residências unifamiliares.

sobre o autor

Frederico de Holanda
Frederico de Holanda nasceu no Recife, Brasil (1944). Arquiteto (UFPE, 1966). Doutor em arquitetura (Universidade de Londres, 1997). Professor Associado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, onde ministra desde 1

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A questão "determinismo arquitetônico" está maldiscutida. Ignora-se que a arquitetura tenha implicações inerentes a aspectos de sua configuração e outras convencionais. Importa compreender as primeiras, pois projetamos a forma a ser construída, não as convenções pelas quais virá a ser utilizada. Na natureza contraditória do urbanismo moderno, a sintaxe das cidades - seu sistema de barreiras e permeabilidades - é a dimensão mais problemática. Relaciona-se com a desertificação e o vandalismo nos espaços públicos. (19)

Um conceito de Arquitetura

Sugerimos que se entenda arquitetura como situação relacional entre padrões físico-espaciais e expectativas sociais de muitos tipos. Propusemos a taxonomia pela qual (independentemente da escala) o espaço arquitetônico tem sete desempenhos para nossas expectativas, analisáveis em aspectos ou dimensões constituintes da arquitetura:
a) funcionais
b) de copresença
c) bioclimáticos
d) econômicos
e) topoceptivos
f) emocionais
g) simbólicos
(20)

Avaliar in totum a manifestação arquitetônica requer consideramos todas as dimensões: é comum o edifício ou a cidade ter mau desempenho "bioclimático" (e.g. desconforto térmico), mas gerar forte imagem em nossas memórias - bom desempenho "topoceptivo". (21)

A arquitetura moderna brasileira é portadora de forte identidade plástica? Esqueça-o. "Nada mais era do que a aplicação fiel das lições modernas num contexto social diverso do original." (Citações extraídas de Otília Arantes, Do Universalismo moderno ao regionalismo pós-crítico)
(21)

Com rara sensibilidade, Hobsbawn tocou no polêmico "determinismo arquitetônico", que arquitetura e urbanismo não comandam vontades, mas que a organização espacial das cidades funciona como variável independente: os padrões espaciais de Paris não determinam insurreições, mas lugares onde barricadas foram levantadas. (22)

Às barreiras e  às permeabilidades físicas sobre o chão (sintaxe) se superpões regras de utilização (semântica) que acrescentam significado simbólico à sintaxe do lugar e contribuem para constituir - produzir e reproduzir - padrões de interação social. O conjunto de permissões e restrições relativo às interações pessoais está "colado" à sintaxe e à semântica da arquitetura. Para Bourdieu, entre diversos artifícios culturais estes são elementos constituintes do habitatus, "padrão duradouro que é tanto o resultado como o ponto de partida de ações, um padrão que não  precisa ser conhecido reflexivamente, para que seja levado em conta nas práticas cotidianas." (Apud John Peponis "Espaço, cultura e desenho urbano no modernismo tardio e além dele") (24)


 Resumo Capítulo 1

A questão “determinismo arquitetônico” está maldiscutida. Ignora-se que a arquitetura tenha implicações inerentes a aspectos de sua configuração e outras convencionais. Importa compreender as primeiras, pois projetamos a forma a ser construída, não as convenções pelas quais virá a ser utilizada. Na natureza contraditória do urbanismo moderno, a sintaxe das cidades - seu sistema de barreiras e permeabilidades - é a dimensão mais problemática. Relaciona-se à desertificação e ao vandalismo nos espaços públicos (3).


Resumo CAPÍTULO 2 

UMA PONTE PARA A URBANIDADE Frederico de Holanda Resumo Exploram-se neste capítulo procedimentos analíticos quantitativos para caracterizar atributos morfológicos de Brasília: 1) o Plano Piloto não é central em relação ao sistema urbano-mor a que pertence; e nasceu excêntrico, contrariando o memorial do projeto de Lúcio Costa; 2) é sistema disperso, caracterizado por meio de duas medidas de compacidade; 3) há intensa segregação socioespacial marcada por débeis correlações entre localização de empregos, habitações e acessibilidade física; não só a maior parte de postos de trabalho é excêntrica (acima de 70% estão no Plano Piloto), como a grande maioria dos moradores agrupa-se em locais mais segregados. Conclui-se especulando medidas que implicariam maior urbanidade para Brasília.  


Crítica sobre a Brasília atual ou projeto deve reconhecer-lhe a significância. Dos projeots do concuros é o melhor. É cidade exemplar: como marco indelével do século XX poruqe Lucio Costa aplicou de modo próprio o receituário modernista (transgredindo-o em alguns pontos: por sabiamente incorporar importantes elementos históricos: perspectivas barrocas, terraplenos monumentais, gregarismo colonial brasileiro, acrópole cerimonial, cidade linear, cidade-jardim, urbanidade de áreas comerciais. A cidade pós moderna avant la lettre, distinda de todas as manifestações urbanísticas modernas. Nisto reside sua força. (40) 

Resumo CAPÍTULO 3

Áreas da cidade podem conhecer uma “época de ouro”, para entrar depois em decadência. Este trabalho investiga as razões da deterioração da Via W-3, Brasília. Era verdadeiro centro comercial e cultural nos primeiros anos da construção da capital brasileira; parte das funções a conferir tão importante status paulatinamente abandonaram o lugar. Revelar a lógica do trajeto faculta entender processos de transformação de nossas cidades, e características necessárias à sustentabilidade de espaços urbanos vitais. Razões para o declínio parecem ser: 1) demora na constituição dos setores centrais da cidade; 2) novas maneiras de configuração do espaço comercial, pelas quais atividades tendem a se concentrar intramuros (nos shoppings), abandonando configurações semelhantes à de ruas; 3) uso do solo da avenida, com somente um dos lados destinado a atividades centrais, o outro a residências; 4) configuração espacial da avenida, implicando descontinuidades no espaço construído e a existência de espaços “cegos” ou “mortos” entre os blocos; 5) ausência de infra-estrutura adequada para circulação de veículos e pedestres, incluindo a inadequação da distribuição de 2 vagas para estacionamento; 6) ausência de condições bioclimáticas adequadas. Este trabalho também ilustra uma metodologia de análise e proposição de desenho urbano. _____________________ (1) O conteúdo deste capítulo foi adaptado de proposta apresentada ao “Concurso público nacional de idéias e de estudos preliminares de arquitetura e urbanismo para revitalização das avenidas W-3 Sul e Norte, em Brasília, Distrito Federal”, em 2002, e premiada com a terceira colocação. Mais informações sobre o concurso estão no corpo do texto

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Frederico de Holanda ORDEM E DESORDEM






ORDEM & DESORDEM: ARQUITETURA & VIDA SOCIAL.




Edifícios e espaços das cidades – ruas, avenidas, praças – afetam nossa vida. A organização dos cômodos em um prédio também. Os seis capítulos exploram distintos olhares: 1) duas cidades “modernas” – Brasília e Chandigarh – e as imagens distintas formadas em nossas mentes; 2) a fragmentação espacial das cidades brasileiras e o oásis de ordem nos centros históricos; 3) a apropriação prática e afetiva do lugar pelas pessoas – sua urbanidade – como fator de proteção das margens de rios urbanos; 4) a qualidade de vida das cidades interpretada em função de índices socioeconômicos e de atributos espaciais; 5) os congestionamentos de trânsito e as implicações oriundas da forma urbana; 6) a reorganização recente dos cômodos em apartamentos para adequá-los a estilos de vida mais individualistas.


TRECHOS DO LIVRO

Brasília contém duas unidades mofológicas claramente identificáveis: o Eixo Rodoviário, ao longo do qual as fileiras de superquadras residenciais se localizam, e o Eixo Monumental, que constitui o principal espaçõ simbólico da capital brasileira, onde estão os edifícios principais da Administração Federal.

Os dois elementos estruturais cruzam-se no centro da cidade, onde fica o terminal de ônibus urbanos, nocomplexo edifício da "Plataforma Rodoviária".

Os eixos são os espaços mais longos e largos da cidade, em forte contraste com os demais lugares. (17)

(Evaldo Coutinho) Define a especifidade da arquitetura como arte: sua matéria-prima é realidade, não representação, o que a distingue de outros gêneros artísticos. É realidade sim, mas transformada pela visão de mundo do arquiteto, aquele que, lato sensu criador de lugares, retira da natureza uma porção de espaço e modulo seus atributos de luz e sombra, ruído e silêncio, aromas, temperatura, velocidade e movimento de ar.

O arquitetuo confere à porção do espaço delimitado forma, dimensões, proporções; mediante fechamentos e aberturas, opacidades e transparências, estrutura o espaço interno dos edifícios e as relações com o espaço circundante de onde ele foi extraído.

O inglês Bill Hillier (n. 1937), bacharel em literatura, é fundador da Teoria da Sintaxe Espacial (SE). Ele rompe com paradigmas da teoria e da história da arquitetura em vários aspectos. O livrofundador da teoria foi escrito em parceria com Julienne Hanson: The Social logic of Space (1984).

Como Evaldo Coutinho, afasta-se da reflexão tradicional ao dar ênfase ao espaço, não aos elementos volumétricos da arquitetura. Como Coutinho, evita o erro filosófico de confundir como arquitetura algo que é a "forma bastante" de outro gênero artístico - a escultura e a linguagem dos volumes (formulação de Coutinho). Para Hillier, a essência e a finalidade última da arquitetura é a ordenação do espaço: os vãos que habitamos. (19)

Historicamente, estudos demonstram não haver gratuidade na configuração dos assentamentos humanos, mas congruência entre a estrutura dos espaços e a das sociedades que os produzem e usufruem. (20)

Nas pesquisas sobre Brasília, descobrimos que é uma cidade 'tricéfala" - tem três centros: o funcional ( em torno do qual está a maioria dos empregos), o morfológico (que minimiza a distância física a todos os pontos da cidade) e o demográfico (que minimiza a distância para todos os habitantes da cidade). Em Brasília, eles distam quilômetros entre si, ao contrário de outras cidades brasileiras. Isso implica emcustos sociais elevados. Importante para a definição de políticas urbanísticas, o achado seria impossível sem o uso de procedimentos computacionais. (22).

Caixa Espacial - largura da via x altura dos edifícios. (24)

Em Brasília, ao deixarmos o aeroporto, há um trecho de rodovia interurbana de cerca de 6 km até penetrarmos na estremidade sul da Asa Sul. Ao deixarmos os edifícios do complexo aeroportuário, passamos ao longo de áreas verdes desocupadas até a "entrada na cidade". Ela se dá de chofre, é claríssima, assinalada pelas novas características da via e pelos edifícios lindeiros. Abandonamos o "campo" e entramos na "cidade" : no percurso não há "subúrbios" intervenientes, a paisagem ambígua que deixou de ser campo e ainda não chega a ser cidade. A estrada, ao se transformar em via expressa urbana, torna-se a via estruturadora do tecido residencial, composto pelas superquadras que a bordejam.

Salvo pequenas variações, elas têm 250 x 250 m medidos a partir da calçada de pedestres que as circunscreve. A malha viária é ortogonal: considerados os espaços entre as superquadras onde estão equipamentos comunitários, ela mede aproximadamente 350 x 350 m. Há quadras adicionais a leste e oeste do "colar" das superquadras (imprevistas no projeto original) que fazem a largura das "asas" residenciais chegar a 2.400 m. (25)

Os atributos do elemento viário que estrutura as duas asas residenciais - o "Eixo Rodoviário", doravante "Eixão", sua denominação corriqueira - são únidos na cidade: trecho central de seis pistas de rolamento com um canteiro central também asfaltado; das faixas gramadas e arborizadas de cerca de 40 m de largura; dois "eixinhos" laterais, cada um com quatro faixas de rolamento, separadas duas a duas por um canteiro ajardinado de 4,5 m de largura; uma faixa verde de pelo menos 20 m de largura até chegarmos às fachadas de edifícios residenciais das superquadras, de cada lado. Ao todo, a distância interfachadas é de pelo menos 210 m. A proporção deste macroelemento estruturador é de 10 para 1. (25)

Apesar da suave curva ao longo de seus 12,4 km, o Eixão marca a relação da cidade e de suas partes com os pontos cardeais: ao nele penetrarmos, entramos em Brasília pela extremidade sul; ap saor,ps. deoxa,p-la pela norte; à direita está o leste, nasce o sol. à esquerda, está o poente. Ademais, o terreno cai suavemente para o leste, na direção do Lago Paranoá, a cujas bordas a cidade e seu macroelemento estruturador se acomodam, fazendo-se paralelos às margens do corpo d´água. Nos deslocamentos pela cidade, logo apreendemos em que direção vamos. (26)

Outros elementos contribuem para a percepção deste ponto como parte do climax compositivo da cidade: o partido "tectônico" da Plataforma Rodoviária, complexo edifício a criar um "urbanismo tridimensional" resolvido em quatro níveis de circulação para veículos e pedestres, no encontro entre o Eixo Rodoviário e o Eixo Monumental - este o espaço mas emblemático da cidade, cumprindo as funções precípuas da capital (o centro do Governo Federal); a vista deslumbrante da Esplanada dos Ministérios, com as torres gêmeas do Congresso Nacional a coroar a composição, perceptíveis de três dos quatro níveis da Plataforma Rodoviária (exceto do nível mais baixo do complexo, a passagem expressa para veículos que une os tramos sul e norte do Eixão). os movimentos de terra que reesculpiram o terreno, criando vistas surpreendentes. (27)

Frederico de Holanda
em ORDEM E DESORDEM: ARQUITETURA E VIDA SOCIAL (2012)


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Resumo capítulo 1

Brasília e Chandigarh diferem em muitos aspectos, no todo e em suas partes. O capítulo explora a dicotomia ordem x desordem nas duas cidades. Brasília contém duas unidades morfológicas claramente identificáveis: o Eixo Rodoviário, ao longo do qual as fileiras de superquadras residenciais se localizam, e o Eixo Monumental, que constitui o principal espaço simbólico da capital brasileira, onde estão os edifícios principais da Administração Federal. Os dois elementos estruturais cruzam-se no centro da cidade, onde fica o terminal de ônibus urbanos, no complexo edifício da “Plataforma Rodoviária”. Os eixos são os espaços mais longos e largos da cidade, em forte contraste com os demais lugares. Chandigarh apresenta uma malha viária uniforme que delimita setores similares medindo aproximadamente 800m x 1.200m, abrigando todos os tipos de atividades, exceto os principais edifícios do Capitolio, espaço simbólico por excelência, que abriga o Secretariado, a Alta Corte e a Assembleia Nacional. Entretanto, o Capitolio é muito segregado do resto da cidade, prática e expressivamente. Em ambas as cidades os “setores” urbanos carecem de diferenciação: as superquadras de Brasília e os setores de Chandigarh apresentam sistemas viários labirínticos e frequentes ruas sem saída. Entretanto, ordem em Chandigarh pode resultar de surpreendentes praças comerciais, como no setor central. No todo, porém, Brasília exibe uma configuração clara, contrastando com a configuração repetitiva, banal e pouco informativa de Chandigarh.

Resumo Capítulo 2

Há estudos urbanos sobre a natureza social, econômica, política e operacional do espaço das cidades. Entretanto, carece um aprofundamento quanto à articulação da cidade segundo hierarquias e permeabilidades (configuração), e como esses fatores, diretamente relacionados à forma-espaço, contribuem para a interpretação do estado presente das estruturas urbanas no Brasil quanto à expansão territorial e relações sociais. A pesquisa explora o hiato existente no planejamento urbano no país, que ignora a variável configuracional. Argumenta-se que a consideração da variável implicaria potencial melhoria da qualidade espacial das cidades. Investiga-se, por meio da Teoria da Sintaxe Espacial, como isto pode auxiliar o planejamento e os estudos urbanos, tomando por base amostra constituída por 44 cidades brasileiras.

Resumo Capítulo 3

A análise da história da cidade pela ótica das relações com os corpos d’água – córregos, rios, lagos, mares – revela aspectos fundamentais à compreensão das lógicas urbanas e das forças contraditórias atuantes no tempo. Identificam-se duas vertentes básicas nas relações entre cidades e corpos d’água. Na primeira, estes são valorizados e incorporados à paisagem urbana. Na segunda vertente, corpos d’água são desconsiderados, edificações e lotes lindeiros ficam de costas para eles. A partir da década de 1960, um intenso movimento de qualificação dos frontais aquáticos passou a ocupar as agendas urbanas em cidades de todo o mundo. A grande maioria das intervenções expressa a vertente de valorização dos corpos d’água, promovendo a urbanidade, ou seja, o convívio social e a relação amigável da população com o corpo d’água. Ocorre que, via de regra, os projetos fundamentam-se na adoção de técnicas e materiais artificiais, dificultando ou impedindo o desenvolvimento das dinâmicas naturais. O enfoque central deste trabalho direciona-se para o espaço físico, numa perspectiva relacional entre sua configuração e interferências sobre as dinâmicas ambientais e urbanas. Se, por um lado, valores socioculturais são condicionantes do tipo de configuração espacial, por outro, os atributos da configuração espacial podem influir na construção de valores socioculturais, que caracterizam a urbanidade. Trata-se de um olhar que abarca também as relações entre a configuração espacial e a proteção dos recursos ambientais.

Resumo Capítulo 4

Muito se tem avançado nos estudos urbanos, mas ainda de forma segmentada, com o desenvolvimento de índices e indicadores que expressam determinados aspectos da cidade, e não de forma a se ver o todo urbano. Este capítulo é parte da pesquisa doutoral, atualizada, em que se objetivou preencher a lacuna, com uma proposta de “costurar” importantes índices urbanos, levantados a partir de três grandes dimensões: morfológica, socioeconômica e ambiental1 . O foco aqui são índices morfológicos e aponta-se como eles podem ser reunidos aos demais. O objeto de estudo é o Distrito Federal. As três dimensões selecionadas revelam de forma genérica que o centro urbano do Distrito Federal, composto pelo Plano Piloto e suas imediações, apresentam melhores condições para todos os índices levantados; quanto mais afastados do centro os lugares, piores se tornam as condições de vida. Contudo, apesar da tendência geral, muitas cidades periféricas, que têm estigma de condição precária, ao contrário do que se imagina, apresentam bons resultados em determinados aspectos, que findam contribuindo para a resultante global. O índice final, Índice Composto de Qualidade de Vida Urbana, consegue expressar as nuances. Por meio de ponderação dos índices estudados, desenvolveu-se um método que possibilita a contínua atualização e agregação de informação, o que permite que ele possa ser refinado continuamente. Outro fator importante do trabalho é que a análise estatística empregada serviu como ferramenta para clarear e nortear diversas análises, e pode ser considerada como fundamental para o tipo de estudo. Assim, a condição de vida urbana é muito mais que apenas acessibilidade, renda ou qualidade ambiental, é uma composição complexa dessas variáveis que compõem a realidade da cidade.

Resumo Capítulo 5

O capítulo trata de uma metodologia sistêmica de análise da saturação viária, caracterizada por áreas e vias de maiores congestionamentos e transtornos de mobilidade viária e acessibilidade aos usos do solo na cidade de Fortaleza (CE). Lida-se com uma modelagem computacional integrada, em um mesmo ambiente de Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) de: 1) fluxos de demanda alocados pela técnica de Equilíbrio do Usuário Estocástico (SUE), oriunda da Urban Transportation Modelling Systems (UTMS) que caracterizam a demanda de viagens; 2) fluxos potenciais de oferta alocados pela técnica da Análise Angular de Segmentos (ASA), da Sintaxe Espacial (SE), que caracterizam a oferta viária. O principal objetivo da pesquisa é o de contribuir na caracterização dos principais atores causadores dos congestionamentos que, no caso de Fortaleza, são em parte resultantes da configuração da malha, pelas conexões viárias descontínuas oriundas de intervenções isoladas de diversos planos urbanísticos. Alia-se a este fator o processo social de ocupação e uso do solo. Juntos, acabam por resultar em uma área crítica (AC) de congestionamentos. Em termos teórico-metodológicos, a pesquisa localiza-se nos âmbitos do planejamento dos transportes e do urbanismo, e contribui metodologicamente: 1) ao primeiro, na identificação de categorias analíticas funcionais relativas à acessibilidade local e global da malha e 2) no segundo, na dispersão socioespacial desigual de atividades em uma amostra de vias arteriais e coletoras da cidade. Os resultados confirmam a forma do espaço de circulação como fator importante na configuração da cidade de Fortaleza e como corresponsável pela ocorrência de congestionamentos. Em termos específicos são definidas escalas macro, meso e microscópica para a análise da acessibilidade funcional. Os resultados confirmam a segregação socioespacial da cidade e facultam sugerir novas abordagens para os processos de urbanização e o ensino do urbanismo e dos transportes.

Resumo Capítulo 6

Trata-se da habitação coletiva em altura no Distrito Federal. Dentro do amplo espectro de estudos sobre o espaço doméstico, a pesquisa contribui com um recorte específico: considera aspectos de apropriação do espaço pelos moradores e respectivas condicionantes morfológicas (geométricas e topológicas). A apropriação é caracterizada por “indisciplinas leves” (alterações de uso e ocupação) e “indisciplinas pesadas” (mudanças no vão dos apartamentos). O objetivo é entender como os espaços originalmente construídos e após modificações feitas pelos moradores revelam o modo de vida em apartamentos. O recorte histórico é a evolução do tipo apartamento nas décadas posteriores a 1960, tendo como marco a criação do Plano Piloto de Brasília e a proliferação da habitação coletiva em altura no Distrito Federal. As áreas pesquisadas são representativas da diversidade socioeconômica e da evolução da ocupação territorial do Distrito Federal para o tipo de moradia em análise. São onze áreas estudadas, 168 entrevistados e duzentas plantas baixas analisadas, entre plantas originais e modificadas. 



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Frederico de Holanda 10 MANDAMENTOS





Arquitetura - a arte do espaço.
O conhecimento não para, o mundo se transforma, ideias são eternamente revisitáveis. Mormente em questões controversas.
Seria difícil, mas todos poderíamos viver sem assistir a um filme, apreciar uma pintura, escutar um concerto.
Todas as artes são aparentemente opcionais - e tristemente muitas pessoas ainda vivem sem poder delas desfrutar, como privilégio de sua humanidade. Mas nenhum de nós, em qualquer parte que seja, remota ou próxima do mundo, poderia viver sem a presença da arte da arquitetura.
O habitar humano não é puramente natural,
mas lugar construído, nem que seja um abrigo provisório de ramos para proteger da chuva tropical ou uns blocos de gelo arranjados em cúpula para se abrigar da neve polar.
Plantas e animais têm, cada qual, seu habitat,
o ser humano habita - e por isso pode engenhosamente produzir a condição para viver em qualquer parte, da Antártida ao Saara.

A arquitetura não se restringe à capacidade de se aplicar açodadamente um saber fazer técnico (e disso apenas extrair lucros): a arquitetura é isso, mas é também muito mais.
E é esse plus que sobeja que faz com que ela plenamente seja.

Em geral são os totalitarismos opressores que gostam de fazer tábula rasa do mundo e das gentes para instaurarem sua própria e exclusiva ordem: morro de medo desses tais que se creem nascidos do nada para inventar o tudo, porque ou são perigosamente ingênuos ou engenhosamente perigosos.

Ruth Verde Zein

1 - Veja na Arquitetura uma propriedade dos lugares.

definição de Lúcio Costa:
A mais tolhida das artes, a arquitetura é, antes de mais nada, construção, mas construção concebida com o propósito de organizar e ordenar plasticamente o espaço e os volumes decorrentes, em função de uma determinada época,
de um determinado meio,
de uma determinada técnica,
de um determinado programa
e de uma determinada intenção. (Arquitetura, p.7)

(...) o espaço da arquitetura como elemento primordial: os volumes são decorrentes da ordenação espacial, são meios para os fins que são os vãos, os vazios, os ocos dentro de onde estamos ou por onde nos movemos.
Isto é curioso, vai contra o senso comum, que vê, por exemplo, uma sala como o resultado de paredes, piso e teto, não a composição destes últimos como decorrência do tipo de ambiente que se quer criar na sala; ou o que vê o espaço de uma rua como resultado das casas lindeiras, não estas como meio para definir certa ambiência urbana (como faz a boa arquitetura, como Lucio Costa compões as superquadras de Brasília).

A arquitetura acontece quando certa qualidade é adicionada à "construção", agora pelos processos mentais envolvidos. Mas onde está a linha divisória entre reflexão consciente e reprodução inconsciente de padrões - o fazer "sabendo" e o saber "sem saber" o que se está fazendo? (27)

Deparamos com um paradoxo: edifícios produzidos com as mesmas ideias, num momento são arquitetura, noutros não, porque num momento foram produzidos com conhecimento "reflexivo", noutro foram feitos segundo uma reprodução "inconsciente" de padrões.

Quaisquer realizações humanas são providas de intencionalidade porque têm fenômenos mentais subjacentes que lhes dão origem - inclusive vontades, valores, teorias. Isso distingue realizações humanas de fenômenos físicos ou naturais.

Para Evaldo Coutinho, a essência da arquitetura é o espaço interno dos edifícios, embora ele admita que a arquitetura contém elementos-meio (paredes, piso, teto, próprios da linguagem volumétrica da escultura) e elementos-fim (vazios, ocos, vãos) - os elementos específicos da arquitetura como gênero artístico autônomo.
Juntos, constituem a forma-espaço da arquitetura.
Aqui, barreiras e permeabilidades, opacidades e transparências facultam condições especiais de luz e sombra, temperatura e movimento do ar, ruído e silêncio, aromas, a implicarem estados d´alma e possibilidades ou restrições de movimento aos nossos corpos. (28)

... a obra de arquitetura sempre propiciará, a quem entra convicto de que sabe de cor os vãos existentes, uma sensação de surpresa , tanto discordam a espacialidade interior e aquela de fora, recém-devassada por esse mesmo visitante.
Ainda nas construções em que as peças estão racionalmente repetidas, sente-se em cada célula algo de distinto das outras, um imponderável qualquer, talvez sobrevindo da posição, do recinto em si próprio como entidade intransferível e formadora do conceito de lugar. (30)

O mandamento sugere ampliar o conceito de arquitetura em cinco direções:
1) todos os edifícios são arquitetura, não apenas os que revelam certa "intenção" estética (contradizendo Lúcio Costa);
2) o espaço produzido por meio de um saber implícito, inconsciente, popular é tão legitimamente arquitetura quanto o produzido pelo saber explícito e reflexivo (contradizendo Bill Hillier);
3) o espaço externo de ruas e praças é arquitetura, não apenas o espaço interno das edificações (contradizendo Evaldo Coutinho);
4) todos os edifícios produzidos no âmbito de uma cultura são "dignos de teorização", constituem e reproduzem princípios e valores desta cultura (arché), os quais não se restrigem a contaminar prédios de características excepcionais (sim, eles existem), por quaisquer critérios que os definamos (contradizendo Carlos Brandão);
5) a paisagem virgem, natural, não transformada pelo homem tem uma configuração passível de análise e avaliação enquanto arquitetura, tanto quanto o espaço artificial de edifícios e cidades (contradizendo a generalizada ideia de que arquitetura conta apenas o que é construídos pelos humanos - o artefato). (40)

A arquitetura busca entender certo tipo de qualidade, não no sentido do "grau positivo de excelência, mas no sentido da "propriedade que determina a essência ou a natureza da coisa" (duas conotações que estão no Houaiss) - novamente, de certo ponto de vista.
A arquitetura olha o lugar e avalia e aprende com ele na medida da satisfação do nosso corpo e da nossa mente que o lugar faculta.
Corpo e mente esperam dos lugares a satisfação de expectativas de vários tipos: os lugares têm certos desempenhos em função de certos aspectos (Mandamento 3). (41)

2 - Pense as causas

A arquitetura insere-se num contexto socioambiental. Ela responde 1) a características do sítio natural: clima, relevo, geologia, hidrografia, disponibilidade de materiais de construção, e 2) ao contexto social: conhecimento científico-tecnológico, teorias e valores éticos e estéticos (sobre a boa e a bela arquitetura); interesses e correlatos poderes econômico-político-ideológicos. (45)

É a forma mais tradicional de refletir sobre a arquitetura:
explica-la pelo que a origina, por suas "determinações".
Estudar as causas e os efeitos da arquitetura pressupõe definir os elementos de sua linguagem, da mesma maneira que consideramos ritmos, tom e timbre, na música;
cor, na pintura;
imagem em movimento, no cinema etc.

Os atributos referem os elementos-meio da arquitetura (os "cheios") e os elementos-fins (os "vazios"), como ensina o mestre Evaldo Coutinho. Nos prédios, os cheios são piso, teto, paredes, colunas, quaisquer superfícies ou volumes opacos, transparentes ou translúcidos que definem os cômodos; na cidade, os cheios são prédios, fontes, monumentos, vegetação etc.; na paisagem, são elementos volumétricos como aflorações rochosas, relevo, novamente vegetação etc. (46)

Não há vazios sem cheios a defini-los,
não há o espaço de uma sala sem piso, paredes e teto.

Vazios - Elementos-fim da arquitetura.
Cômodos em um prédio (p.ex. sala, quarto, cozinha, numa casa); ruas, avenidas, esplanadas, praças, largos, parques, outras áreas livres, na cidade; espaços entre obstáculos, na paisagem natural.
Atributos dos vazios:
1) deles próprios: dimensões horizontais e verticais,
absolutas e relativas;
luz e sombra;
temperatura, umidade e movimento do ar;
aromas;
ruído e silêncio;
2) das relações com outros vazios no contexto a que pertencem:
direta ou indireta acessibilidade,
continuidade ou descontinuidade,
proximidade ou distância,
integração ou segregação,
envolvimento, hierarquia etc. (49)

Cheios - Elementos-meio da arquitetura.
No âmbito dos edifícios, os planos ou os elementos volumétricos que definem os vãos - piso, paredes, teto, colunas, superfícies ou volumes diversos. Atributos: cores, materiais, texturas, decoração; propriedades térmicas e acústicas; transparência, translucidez e opacidade.
No âmbito da paisagem construída da cidade: prédios que definem os espaços, suas formas, dimensões absolutas e relativas, relações entre as partes e o todo; elementos complementares na paisagem urbana; sinalização e elementos de propaganda (placas, letreiros, totens), pequenas construções (bancas de revistas, abrigos de ônibus, quiosques, coretos), mobiliário urbano ou "arte cívica" (bancas, lixeiras, telefones públicos, caixas de correios, postes, luminárias, cercas, hidras, fontes, esculturas), elementos de engenharia urbana (viadutos, passarelas, pontes, píeres); tipo das superfícies horizontais (calçadas, asfalto, areia, blocretes, água); vegetação (forrações, asbustiva, arbórea). No âmbito da paisagem natural: os cheios são os elementos tridimensionais resultantes do relevo, vegetação, aflorações rochosas, consideradas as características das superfícies que os definem - arenosas, argilosas, pétreas, pantanosas, aquáticas etc. (52)

Na cidade moderna as transições entre cheios e vazios
(o interior dos prédios e o espaço externo onde ocorre a vida pública)
também sofre alterações:
passamos de envoltórios de edifícios prenhes de portas e janelas
para superfícies cada vez mais fechadas e opacas.
Edifícios não dão rostos para o espaço público, dão ombros e costas (mandamento 9). (52)

Em diálogo com a artificialidade de ruas e prédios,
as montanhas, as praias,
a Lagoa Rodrigo de Freitas,
a baía de Guanabara
são parte indissociável da identidade da cidade do Rio de Janeiro. (55)

Relações vazios x cheios
Relações entre elementos-fim e elementos-meio
da arquitetura.
No interior dos prédios, forma e dimensões, absolutas e relativas, de planos, colunas ou outros lementos volumétricos, e a natureza das respectivas superfícies (sim, uma parede ou mesmo um painel de cristal são sólidos - cheios - a relacionarem-se com os vazios contíguos.)
Na cidade, relações mais ou menos diretas entre os volumes e os espaços que definem: volumes definindo os lugares públicos ou estratégias de separação, envolvendo recuos, jardins frontais, alambrados, passarelas, túneis, espelhos d´água, fossos. Percentual de cheios x vazios.
Frederico de Holanda
em
10 Mandamento da Arquitetura - 2013

Arquitetura - a arte do espaço.
O conhecimento não para, o mundo se transforma, ideias são eternamente revisitáveis. Mormente em questões controversas.
Seria difícil, mas todos poderíamos viver sem assistir a um filme, apreciar uma pintura, escutar um concerto.
Todas as artes são aparentemente opcionais - e tristemente muitas pessoas ainda vivem sem poder delas desfrutar, como privilégio de sua humanidade. Mas nenhum de nós, em qualquer parte que seja, remota ou próxima do mundo, poderia viver sem a presença da arte da arquitetura.
O habitar humano não é puramente natural,
mas lugar construído, nem que seja um abrigo provisório de ramos para proteger da chuva tropical ou uns blocos de gelo arranjados em cúpula para se abrigar da neve polar.
Plantas e animais têm, cada qual, seu habitat,
o ser humano habita - e por isso pode engenhosamente produzir a condição para viver em qualquer parte, da Antártida ao Saara.

A arquitetura não se restringe à capacidade de se aplicar açodadamente um saber fazer técnico (e disso apenas extrair lucros): a arquitetura é isso, mas é também muito mais.
E é esse plus que sobeja que faz com que ela plenamente seja.

Em geral são os totalitarismos opressores que gostam de fazer tábula rasa do mundo e das gentes para instaurarem sua própria e exclusiva ordem: morro de medo desses tais que se creem nascidos do nada para inventar o tudo, porque ou são perigosamente ingênuos ou engenhosamente perigosos.

Ruth Verde Zein

1 - Veja na Arquitetura uma propriedade dos lugares.

definição de Lúcio Costa:
A mais tolhida das artes, a arquitetura é, antes de mais nada, construção, mas construção concebida com o propósito de organizar e ordenar plasticamente o espaço e os volumes decorrentes, em função de uma determinada época,
de um determinado meio,
de uma determinada técnica,
de um determinado programa
e de uma determinada intenção. (Arquitetura, p.7)

(...) o espaço da arquitetura como elemento primordial: os volumes são decorrentes da ordenação espacial, são meios para os fins que são os vãos, os vazios, os ocos dentro de onde estamos ou por onde nos movemos.
Isto é curioso, vai contra o senso comum, que vê, por exemplo, uma sala como o resultado de paredes, piso e teto, não a composição destes últimos como decorrência do tipo de ambiente que se quer criar na sala; ou o que vê o espaço de uma rua como resultado das casas lindeiras, não estas como meio para definir certa ambiência urbana (como faz a boa arquitetura, como Lucio Costa compões as superquadras de Brasília).

A arquitetura acontece quando certa qualidade é adicionada à "construção", agora pelos processos mentais envolvidos. Mas onde está a linha divisória entre reflexão consciente e reprodução inconsciente de padrões - o fazer "sabendo" e o saber "sem saber" o que se está fazendo? (27)

Deparamos com um paradoxo: edifícios produzidos com as mesmas ideias, num momento são arquitetura, noutros não, porque num momento foram produzidos com conhecimento "reflexivo", noutro foram feitos segundo uma reprodução "inconsciente" de padrões.

Quaisquer realizações humanas são providas de intencionalidade porque têm fenômenos mentais subjacentes que lhes dão origem - inclusive vontades, valores, teorias. Isso distingue realizações humanas de fenômenos físicos ou naturais.

Para Evaldo Coutinho, a essência da arquitetura é o espaço interno dos edifícios, embora ele admita que a arquitetura contém elementos-meio (paredes, piso, teto, próprios da linguagem volumétrica da escultura) e elementos-fim (vazios, ocos, vãos) - os elementos específicos da arquitetura como gênero artístico autônomo.
Juntos, constituem a forma-espaço da arquitetura.
Aqui, barreiras e permeabilidades, opacidades e transparências facultam condições especiais de luz e sombra, temperatura e movimento do ar, ruído e silêncio, aromas, a implicarem estados d´alma e possibilidades ou restrições de movimento aos nossos corpos. (28)

... a obra de arquitetura sempre propiciará, a quem entra convicto de que sabe de cor os vãos existentes, uma sensação de surpresa , tanto discordam a espacialidade interior e aquela de fora, recém-devassada por esse mesmo visitante.
Ainda nas construções em que as peças estão racionalmente repetidas, sente-se em cada célula algo de distinto das outras, um imponderável qualquer, talvez sobrevindo da posição, do recinto em si próprio como entidade intransferível e formadora do conceito de lugar. (30)

O mandamento sugere ampliar o conceito de arquitetura em cinco direções:
1) todos os edifícios são arquitetura, não apenas os que revelam certa "intenção" estética (contradizendo Lúcio Costa);
2) o espaço produzido por meio de um saber implícito, inconsciente, popular é tão legitimamente arquitetura quanto o produzido pelo saber explícito e reflexivo (contradizendo Bill Hillier);
3) o espaço externo de ruas e praças é arquitetura, não apenas o espaço interno das edificações (contradizendo Evaldo Coutinho);
4) todos os edifícios produzidos no âmbito de uma cultura são "dignos de teorização", constituem e reproduzem princípios e valores desta cultura (arché), os quais não se restrigem a contaminar prédios de características excepcionais (sim, eles existem), por quaisquer critérios que os definamos (contradizendo Carlos Brandão);
5) a paisagem virgem, natural, não transformada pelo homem tem uma configuração passível de análise e avaliação enquanto arquitetura, tanto quanto o espaço artificial de edifícios e cidades (contradizendo a generalizada ideia de que arquitetura conta apenas o que é construídos pelos humanos - o artefato). (40)

A arquitetura busca entender certo tipo de qualidade, não no sentido do "grau positivo de excelência, mas no sentido da "propriedade que determina a essência ou a natureza da coisa" (duas conotações que estão no Houaiss) - novamente, de certo ponto de vista.
A arquitetura olha o lugar e avalia e aprende com ele na medida da satisfação do nosso corpo e da nossa mente que o lugar faculta.
Corpo e mente esperam dos lugares a satisfação de expectativas de vários tipos: os lugares têm certos desempenhos em função de certos aspectos (Mandamento 3). (41)

2 - Pense as causas

A arquitetura insere-se num contexto socioambiental. Ela responde 1) a características do sítio natural: clima, relevo, geologia, hidrografia, disponibilidade de materiais de construção, e 2) ao contexto social: conhecimento científico-tecnológico, teorias e valores éticos e estéticos (sobre a boa e a bela arquitetura); interesses e correlatos poderes econômico-político-ideológicos. (45)

É a forma mais tradicional de refletir sobre a arquitetura:
explica-la pelo que a origina, por suas "determinações".
Estudar as causas e os efeitos da arquitetura pressupõe definir os elementos de sua linguagem, da mesma maneira que consideramos ritmos, tom e timbre, na música;
cor, na pintura;
imagem em movimento, no cinema etc.

Os atributos referem os elementos-meio da arquitetura (os "cheios") e os elementos-fins (os "vazios"), como ensina o mestre Evaldo Coutinho. Nos prédios, os cheios são piso, teto, paredes, colunas, quaisquer superfícies ou volumes opacos, transparentes ou translúcidos que definem os cômodos; na cidade, os cheios são prédios, fontes, monumentos, vegetação etc.; na paisagem, são elementos volumétricos como aflorações rochosas, relevo, novamente vegetação etc. (46)

Não há vazios sem cheios a defini-los,
não há o espaço de uma sala sem piso, paredes e teto.

Vazios - Elementos-fim da arquitetura.
Cômodos em um prédio (p.ex. sala, quarto, cozinha, numa casa); ruas, avenidas, esplanadas, praças, largos, parques, outras áreas livres, na cidade; espaços entre obstáculos, na paisagem natural.
Atributos dos vazios:
1) deles próprios: dimensões horizontais e verticais,
absolutas e relativas;
luz e sombra;
temperatura, umidade e movimento do ar;
aromas;
ruído e silêncio;
2) das relações com outros vazios no contexto a que pertencem:
direta ou indireta acessibilidade,
continuidade ou descontinuidade,
proximidade ou distância,
integração ou segregação,
envolvimento, hierarquia etc. (49)

Cheios - Elementos-meio da arquitetura.
No âmbito dos edifícios, os planos ou os elementos volumétricos que definem os vãos - piso, paredes, teto, colunas, superfícies ou volumes diversos. Atributos: cores, materiais, texturas, decoração; propriedades térmicas e acústicas; transparência, translucidez e opacidade.
No âmbito da paisagem construída da cidade: prédios que definem os espaços, suas formas, dimensões absolutas e relativas, relações entre as partes e o todo; elementos complementares na paisagem urbana; sinalização e elementos de propaganda (placas, letreiros, totens), pequenas construções (bancas de revistas, abrigos de ônibus, quiosques, coretos), mobiliário urbano ou "arte cívica" (bancas, lixeiras, telefones públicos, caixas de correios, postes, luminárias, cercas, hidras, fontes, esculturas), elementos de engenharia urbana (viadutos, passarelas, pontes, píeres); tipo das superfícies horizontais (calçadas, asfalto, areia, blocretes, água); vegetação (forrações, asbustiva, arbórea). No âmbito da paisagem natural: os cheios são os elementos tridimensionais resultantes do relevo, vegetação, aflorações rochosas, consideradas as características das superfícies que os definem - arenosas, argilosas, pétreas, pantanosas, aquáticas etc. (52)

Na cidade moderna as transições entre cheios e vazios
(o interior dos prédios e o espaço externo onde ocorre a vida pública)
também sofre alterações:
passamos de envoltórios de edifícios prenhes de portas e janelas
para superfícies cada vez mais fechadas e opacas.
Edifícios não dão rostos para o espaço público, dão ombros e costas (mandamento 9). (52)

Em diálogo com a artificialidade de ruas e prédios,
as montanhas, as praias,
a Lagoa Rodrigo de Freitas,
a baía de Guanabara
são parte indissociável da identidade da cidade do Rio de Janeiro. (55)

Relações vazios x cheios
Relações entre elementos-fim e elementos-meio
da arquitetura.
No interior dos prédios, forma e dimensões, absolutas e relativas, de planos, colunas ou outros lementos volumétricos, e a natureza das respectivas superfícies (sim, uma parede ou mesmo um painel de cristal são sólidos - cheios - a relacionarem-se com os vazios contíguos.)
Na cidade, relações mais ou menos diretas entre os volumes e os espaços que definem: volumes definindo os lugares públicos ou estratégias de separação, envolvendo recuos, jardins frontais, alambrados, passarelas, túneis, espelhos d´água, fossos. Percentual de cheios x vazios.
Frederico de Holanda
em
10 Mandamento da Arquitetura - 2013

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Resenha por Edja Trigueiro


Acrescenta uma contribuição mais que bem-vinda ao conhecimento da arquitetura, esta desconhecida no Brasil, como bem lembra Ruth Verde Zein, no prefácio do livro. Aplauso pelo esforço e coragem de discutir etiquetas epistemológicas tidas como herméticas (não de todo gratuitamente), em uma escrita acessível para iniciantes e mesmo não iniciados nos meandros da academia, sem reduzi-las a conceitos estanques, explorando proposições em perspectiva historiográfica e delineando contornos entre fato e intenção, sintaxe e semântica. Situando a arquitetura como campo de interesses sociais conflitantes, em sentido lato, escapa à equívoca fragmentação conceitual do nosso campo disciplinar (tão valorizada nestes tempos de paixão por rótulos), sem evitar expor posicionamentos ideológicos, inclusive os seus próprios. Aplauso, também, pela postura ética, ao creditar filiações, contribuições (até as mais ligeiras) e inspirações, como a da mestra Julienne Hanson, maga no decifrar de relações socioespaciais e no bem escrever, a quem o livro é dedicado, seguindo o mote de um dos seus escritos – The ten commandments (for writing academic papers) – traduzido e anexado ao livro. Obra sazonada, fruto de saberes bebidos nos campos da filosofia, sociologia, linguística, história, antropologia, etnografia, da física até, mas cingidos por contornos próprios da arquitetura, principalmente quanto ao modo como relações entre cheios e vazios do mundo real – construído ou natural – associam-se a expressões próprias desses campos de conhecimento. Tais associações, além da grande serventia que têm no plano didático, sustentam visões por vezes nada ortodoxas, abarcando um registro que vai da reflexão sobre paradigmas habilmente apresentados pelo Holanda acadêmico e proposições transgressoras próprias do Holanda polemista.
Diatribes que percorreram a trajetória acadêmica desta resenhista (e da professora que nasceu comigo) e continuam a ser discutidas, dialogam com visões contemporâneas filtradas por muitas lentes, algumas capazes de expor particularmente bem, distorções entre a doutrina e o real. No capitulo introdutório, que trata do primeiro mandamento – Veja na arquitetura uma propriedade dos lugares – Holanda discute definições de arquitetura, apontando inconsistências, mesmo em seus autores-guia, ampliando e recortando sentidos para incluir todo o ambiente – construído e natural – desde que percebido por um olhar disciplinado, focado na medida de satisfação de nosso corpo e de nossa mente. A proposição de que o ambiente natural também pode ser entendido como arquitetura e de que toda construção é arquitetura, oferece pano para muitas mangas de discussão em sala de aula e alhures, ainda que pareça espantoso haver quem defenda ser possível traçar fronteiras entre edifícios que se qualificam e edifícios que não se qualificam como arquitetura, e mais espantoso que o façam com base em valoração estética (de quem? para quem? quando?). Existiriam artefatos cuja fatura tenha ocorrido isenta de decisões do tipo assim fica melhor? Passadas não menos de quatro décadas, desde que pela primeira vez me deparei com essa discussão, vejo-a retomada, felizmente, em perspectiva diacrônica, objetiva e morfológica. Outras questões abordadas ao longo do texto tangenciam o debate, como, por exemplo, a referência a mutações do sentido de “estético” com relação à dicotomia valor de uso / valor de troca, por Raymond Williams, e sobre precedência ou originalidade (novidade diria eu) como critério de valor, por Antonio Cicero.
Nestes tempos em que a razão de ser do professor não é trazer informação para a sala de aula (que os alunos fazem isso, em grandes partidas com seus i-pads, i-phones, e que-tais), mas buscar orientar arquitetos/acadêmicos em construção no sentido de conceber um mundo que acreditamos melhor, os temas abordados nos mandamentos 2 e 3 – Pense as causas e Pense os efeitos – são seminais para entender o alcance da forma da arquitetura, tanto como repositório e reflexo, quanto como mecanismo gerador de processos socioespaciais, direta e indiretamente relacionados ao seu potencial de facilitar, dificultar ou impedir movimento e visibilidade. Referências e exemplos ancoram o axioma da arquitetura como força atuante na sociedade, que, mediante a interação entre elementos-meio (os cheios) e elementos-fim (os vazios), delineia estruturas mais ou menos rígidas, mais ou menos previsíveis, mais ou menos controláveis, capazes de permitir ou coibir padrões distintos de encontros e esquivanças que estão na raiz de modos distintos de solidariedade. Em escritos anteriores Holanda (2003) polarizou tais estruturas nos conceitos de formalidade e urbanidade, que vêm sendo utilíssimos para nortear estudos sobre relações arquitetura-sociedade, e para instigar o debate sobre natureza, variantes, caminhos e descaminhos do que possa ser considerado o ser e o agir de modo "urbano", aberto à livre manifestação e negociação de diferenças. N’Os 10 mandamentos, esses conceitos subjazem quase toda a argumentação e são diretamente abordados nos capítulos finais, na perspectiva de conteúdos sintáticos, semânticos e éticos.
Os três capítulos (mandamentos) iniciais seriam já suficientes para sustentar uma obra de referência sobre fundamentos da arquitetura, mas, fiel ao mote inspirador dos 10 mandamentos, e aproveitando para dar vazão a saberes e inquietações muitas, nos demais capítulos Fred fecha o foco em um ou outro tema na raiz das causas e efeitos da relação arquitetura/sociedade, trazendo referências e exemplos complementares, tudo belamente ilustrado. Felizmente, em meu entender, porque aí se manifesta, com mais transparência, o Holanda mestre. Embora recomendando iniciar a leitura na sequência Apresentação, Prefácio, capítulos 1, 2, 3, penso que a partir do quarto capítulo qualquer esquema de leitura é igualmente adequado. Daí que agora passo a mencionar os mandamentos seguindo a trilha das ideias.
Retomando o axioma da forma atuante, o quarto mandamento reza que se Entenda a arquitetura como possibilidades e restrições delineadas pela estrutura de cheios e vazios. Nesse contexto, a velhíssima questão do determinismo arquitetônico é situada entre o sonho demiúrgico de uma nova arquitetura capaz de engendrar uma nova sociedade, dos pioneiros do Movimento Moderno, e a visão de arquitetura como artefato nem autoritário nem democrático, mas apenas suporte de meios autoritários ou democráticos de produzi-la e usá-la, conforme Tafuri, Rossi e Krier. Esta proposição que subentende a crença em uma arquitetura “neutra” em termos sociopolíticos, nega a evidente possibilidade de se decifrar na, e a partir da arquitetura, nexos sobre modos de vida e práticas sociais, mesmo acontecidas há séculos (como morfólogos têm feito desde há muito). Holanda a refuta, com base em farta evidência empírica, da qual destaco, um dos exemplos elencados pelo autor no Plano Piloto: os Setores Comerciais.
Os Setores Comerciais Sul e Norte diferem quanto ao nível de resistência que suas estruturas espaciais oferecem a apropriações dos espaços públicos por grupos sociais distintos. Enquanto no SCS, maior acessibilidade e transporte público possibilitam diversidade de usos e presenças, de modo que "forças da ordem" precisam estar em "estado de alerta" contra atos de subversão – i.é. comércio informal de ambulantes – no SCN "o urbanismo poupa o trabalho", desfavorecendo a mistura de classes, um vez que "trabalhadores manuais são limitados à demanda das firmas localizadas nos espaços internos", agravando, como pontua Holanda, o que o urbanismo moderno tinha de pior. A menção dessa estrutura “que auxilia as forças da ordem” evocou uma experiência que tivemos, a professora Sonia Marques e eu, quando teimamos em ir do nosso hotel a um restaurante do SCS a pé. Conseguimos ir, após muitas e muitas mudanças de direção, e tempos infinitos aguardando semáforos que abriam e fechavam antes que chegássemos ao outro lado da via. Na volta decidimos observar o movimento de pessoas que pareciam estar retornando ao trabalho e o percurso pareceu mais fácil. Passamos diante de algumas paradas de ônibus e nos beneficiamos de faixas de pedestres. Atravessada a última, já quase cantando vitória, nos descobrimos na lavanderia do hotel vizinho (e mesmo vizinho renegociar o caminho para o nosso foi outro martírio). O trajeto de pedestres levava das paradas de ônibus às áreas de serviço dos hotéis, traindo uma ordem cujo desígnio parece ser a de conduzir pedestres – no caso, os usuários “naturais” de transportes públicos – direto aos seus prováveis postos de trabalho.
Transgressões à ordem subjacente à estrutura espacial, também são discutidas no quinto mandamento: Leia na arquitetura igualdades e desigualdades sociais. O surgimento de quiosques, lanchonetes, lotéricas, bancas de revista, ambulantes e panfleteiros que compensam o isolamento e a aridez das empenas cegas dos blocos dos ministérios; a animação da Rodoviária e da antiga feirinha da torre de TV, depois deslocada para sítio menos favorável, são alguns dos exemplos citados como manobras criadas para contornar efeitos de tipos de configuração espacial que levam à apartação de gentes, fenômenos e tempos. Sugestões de reconfiguração, como nos casos da W3 ou do Eixo Rodoviário – o chamado “eixão da morte” – para o qual Holanda e colaboradores recomendam semáforos e canteiro central calçado e florido remetem a avenidas de cidades europeias como a Liberdade, em Lisboa, onde um comprido espaço linear flanqueado pelas pistas de rolamento alberga cafés, jardins, playgrounds e gente que passa e fica. Que inveja!!!! A recomendação Cuide a ordem sem descuidar a desordem – 7º mandamento – retoma essa linha de discussão, mediante a abordagem de fissuras na ordem dominante, como expressões de ações e trajetórias que dão resposta a necessidades negligenciadas por um modo de planejamento excludente, muitas vezes (mal) entendidas e equivocamente consideradas como falta de planejamento.
Filiações teóricas tornam-se mais explicitas no capítulo dedicado a recomendar que se Considere a sintaxe e a semântica (6º mandamento), outro presente para professores que lidam com morfologia da arquitetura, sobretudo nós, os “sintaqueiros”, à cata de meios e modos de transmitir o corpo teórico-metodológico da Sintaxe do Espaço. Ainda que não seja bicho de sete cabeças desmistificar falsas alegações de hermetismo que envolvem a metodologia quando se tem tempo para exposição e discussão, como em um curso ou workshop, são raros os alunos que nos chegam com algum conhecimento prévio, em parte pelo ranço acadêmico e sisudez da maior parte da literatura disponível. Nessa medida, a linguagem d’Os 10 Mandamentos, permeada pelos princípios da Teoria da Lógica Social do Espaço, mas sem carregar no jargão ou nas filigranas dos instrumentos analíticos, amplia as probabilidades de leitores virarem novos morfólogos, sobretudo dentre os que creem ser o espaço, ao mesmo tempo, função de práticas sociais e meio de viabilizá-los e reproduzi-los; e que se dispõem a refletir sobre arquitetura como espaço percebido e sociedade como sistema de encontros.
No capítulo 8, cujo lema é Atente à história, os conceitos formalidade e urbanidade são retomados em perspectiva diacrônica, de modo a estabelecer associações entre modos afins de configuração espacial surgidos com séculos de afastamento, mas servindo a propósitos socioculturais também afins. “As versões dos atributos mudam no tempo, mas se rasparmos a superfície do fenômeno (quase pleonasmo pois fenômeno implica aparência) vemos parentescos insuspeitados” (Grifos de Holanda). Empenhado também em advertir que por trás das “superfícies dos fenômenos” esconde-se, mais das vezes, o conhecimento objetivo, no qual é preciso focar porque sem esse “conhecimento de muito longo prazo somos presas fáceis da ideologia dominante”, o autor dedica seu 10º mandamento – Foque o conhecimento objetivo – a explorar modos de pensar e produzir conhecimento. Sem medo de soar mestre-escola define noções fundamentais como teoria (os pontos de partida para a discussão de fatos), método (o conjunto de procedimentos para viabilizar a análise de um problema) e técnicas (os meios investigativos), facilitando, mais uma vez, a vida de professores, sobretudo os que ministram cursos a iniciantes de pós-graduação em arquitetura, muitos destes profissionais há anos afastados da academia.
Projete a cidade sem ombros ou costas – só rostos, manda o capítulo 9, como ato de resistência à erosão do espaço designado para o desenrolar da vida urbana. A obviedade da ideia faz a proposição parecer pueril, não fosse a realidade de cidades com quadras e edifícios mais e mais de costas para o espaço público, espaços públicos e privados mais e mais reféns da violência, nossas cidades mais e mais distantes dos padrões de urbanidade que testemunhamos em outras tantas, inclusive da América do Sul.
Na apresentação, Frederico de Holanda lamenta não ter tido o tempo necessário para sintetizar o conteúdo do livro para um tamanho compatível com o das coleções tipo “primeiros passos”, “uma introdução a ...” etc. Talvez tenha sido uma benção em disfarce, com perdão do anglicismo. Teria perdido um recheio de exemplos, analogias, narrativas, recorrências até, que oferecem uma multiplicidade de motes e associações e fazem do texto – ao contrário do que pode acontecer em boas obras muito condensadas (e do que se costuma pensar) – mais rico e mais acessível. Um presente para mestres e discípulos em distintos estágios de formação, mesmo os bem verdes.

Eixo Rodoviário, Brasília, num domingo comum

Foto Frederico de Holanda
sobre a autora
Edja Trigueiro é professora na graduação e pós-graduação em arquitetura da UFRN, tendo recebido formação acadêmica na UFPE e na University of London. Estuda relações entre forma e práticas socioculturais.