segunda-feira, 20 de abril de 2015

Fernanda Torres





O Rio de Janeiro está em obras. Do Centro à Zona Oeste, da Zona Sul à Zona Norte, Eduardo Paes — numa fúria comparável à de Pereira Passos — começou implodindo a lamentável passarela de Ipanema e, depois, não parou mais.
O prefeito implantou os BRTs, demoliu a perimetral, reformou o Elevado do Joá, abriu túneis, acabou com a Help, ergueu museus, inaugurou um parque em Madureira e revirou escombros do Leme ao Pontal.
O futuro promissor do país e a tão sonhada Olimpíada nos encheram de coragem para avançar nas reformas. Era, e é, um desejo coletivo, tanto que os cariocas têm encarado com galhardia o nó no trânsito, os bairros interditados e os tapumes da cidade.
No dia da inauguração do Túnel Rio 450, eu estava presa em mais um dos muitos engarrafamentos, quando ouvi na CBN a reportagem sobre a festa. O locutor  explicava que o túnel é parte de um projeto maior,  que incluía a Via Binário, o mergulhão da Praça XV, outro túnel no sentido oposto e mais uma série de intervenções na Zona Portuária do Rio.
Entregue às glórias do positivismo urbanístico, quase não dei trela ao diabinho insidioso que me sussurrou ao ouvido: “E se o dinheiro secar?”. Gelei. Naquela manhã, as manchetes de jornal decretavam o fim do PAC e o agravamento da crise. O arrocho financeiro da União fecharia as torneiras para os estados.
“E se tudo ficar pela metade?”, continuou o demo. “Põ–em—se abaixo os tapumes? Fecham-se os buracos com passarelas? Reformulam-se os planos de Napoleão?”
Não desejo ser alarmista, mas é que o desgraçado do demônio levantou a lebre, e ela, agora, não para de dar saltos triplos na cabeça. Fora o parque esportivo para receber os Jogos, o Rio tem de terminar o que começou. Não dá mais para voltar atrás.
Mauro Rasi, o saudoso autor de teatro, fez um pé de meia com o sucesso de Pérola. Na peça, Vera Holtz fazia o papel da mãe do Mauro, num retrato impagável de uma matriarca classe média de Bauru. Com o dinheiro, Mauro comprou uma cobertura na Delfim Moreira e mandou botar abaixo. Naquela época, teatro ainda dava dividendos e o metro quadrado do Leblon não havia alcançado preços estratosféricos.
Os banheiros ele revestiu de mármore, um de cada cor, o chão, de madeira nobre, tudo do bom e do melhor, até que o arquiteto o convenceu a trocar o azulejo branco da piscina, que nunca havia dado defeito, por vidrotil. O resultado foi um vazamento crônico que minou o 1º andar do imóvel recém-reformado. A carreira de Pérola chegou ao fim e Mauro acabou seus dias entre plástico e andaimes, condenado a viver numa obra inacabada que mais parecia uma instalação do Rauschenberg.
Se tivesse sobrevivido à hecatombe, com certeza, teria escrito uma peça, mais uma, das tantas biografias inesquecíveis que compôs pela vida.
Conto com o empenho dos governantes. Não sei quanto dependemos das benesses do Planalto, do boom imobiliário ou dos royalties de petróleo. Sou solidária na luta para que o Rio não tenha a mesma sorte do genial autor.

http://vejario.abril.com.br/blog/fernanda-torres/

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